Como num passe de mágica, o que talvez se dissolvesse num papel, hoje, percorre os caminhos da internet, alcançando outros e novos horizontes, levando o nome de uma mulher, jornalista, escritora, que mora no interior do Estado do Rio Grande do Norte, numa cidadezinha chamada Mossoró.
Taysa Nunes nasceu em Santana do Matos, coração potiguar, e morou boa parte da sua vida na zona rural do município, no sítio Santa Maria. As idas e vindas ao centro da cidade foram aglomerando memórias que hoje transbordam nas suas palavras e no seu jeito de ver o mundo. “Ainda posso sentir o vento seco da caatinga ou o cheiro das manhãs após uma chuva daquelas”, diz Taysa ao lembrar de quando fazer feira era uma grande aventura vivida no andar de cima do “pau de arara”, carro do teu avô.
Na sua primeira década de vida, a mudança para Mossoró foi inevitável. Porém, a vida no sítio sempre esteve ali coladinha com o crescimento da menina. Vida esta com direito a banho de rio, barulho de chuva no telhado e silêncio com cheirinho de café de manhã cedo. Na verdade, Taysa nunca saiu do sertão. A gente não sai de um lugar que vive dentro da gente.
Numa dessas curvas da história, a escrita cruzou o seu caminho. Aos 11 anos de idade, Taysa percebeu que poderia escrever os seus próprios contos, como aqueles que seu pai lia ao ensiná-la a ler – as histórias de Chico Bento, da Turma da Mônica, são as mais frescas nas suas lembranças, junto com cada sílaba que teu pai soletrava para que ela repetisse logo em seguida e a interpretação das falas do personagem para tornar o ensino divertido e didático -. Até na lembrança de um personagem de desenho, o sertão permanece presente.
Hoje, com 27 anos, Taysa debruça-se sobre o sertão de um jeito diferente, peculiar. Talvez do jeito “Taysa Nunes” de ser. Sendo uma amante do gênero literário ficção científica, a santanense decidiu unir as origens do seu passado com a idealização de um futuro – não necessariamente o dela. E como quem junta feijão com arroz, ela atrelou ficção científica à zona rural do Rio Grande do Norte, criando o conto “Valsa de Fim de Tarde”, a história de uma cangaceira que vive no sertão potiguar num futuro distópico e cyberpunk.
A obra estendida do conto “Armorial” fala sobre Celina, uma mulher forte, determinada, que nunca abaixa a cabeça e luta pelo que acredita. Uma justiceira que não sabe o que odeia mais: o governo do país ou a desigualdade proletária e econômica da sociedade.
Nesse futuro distópico, “o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre” – qualquer coincidência é mera semelhança -, no entanto, estes, além de morrerem de fome, são punidos com sentenças físicas e severas. Diante desse cenário, Celina retorna à adolescência e percebe a violência que o sistema causou sobre si e sobre todes. Na beira da morte, a protagonista de “Valsa de Fim de Tarde” é salva por Dandara, líder de uma comunidade de novos cangaceiros.
E ainda tem um detalhe: a população vive os traumas de uma pandemia. Se é de Covid ou não, isso a gente já não sabe, porque Taysa escreveu a obra em 2019, antes da doença aparecer. – Nesse caso, qualquer semelhança é mera coincidência.
O título é uma referência à música “Valsa de Fim de Tarde”, do musicista potiguar Antônio José Madureira.
Diz aí se o negócio num é instigante?
Num momento em que Celina ainda não tinha um rosto ou quaisquer traços que a caracterizassem, o produtor multimídia João Antunes surgiu para dar vida em cores ao que já existia no papel.
“Fui fisgado imediatamente pela história. Ambientação, personagens sólidos. Quis fazer parte daquilo”.
João Antunes, ilustrador de “Valsa de Fim de Tarde”.
Amigo de Taysa e posteriormente colega de projeto, o catarinense João conta que logo se identificou com a obra devido à proximidade que ele também tem com o tema do cyberpunk, principalmente interligado a realidades desiguais e distópicas.
“Já conhecia os contos de Taysa há algum tempo […], aí ela me mostrou os textos sobre Celina. Naquela altura, eu estava procurando algo para ilustrar um quadrinho no tema sci-fi [ficção científica], mas queria um material original, cuja história fosse no Brasil. E aí, fechou”, conta João.
A amizade de Taysa e Antunes surgiu em 2018, numa relação de fã-artista – pelo jeito, das duas partes -. Aproximadamente, um ano depois, ele ficou anestesiado com Celina e a narrativa de “Valsa de Fim de Tarde”. Com isso, disponibilizou-se para ilustrá-la como história em quadrinho. E a coisa foi tomando forma…
“João deu um rosto e almas aos meus personagens tão queridos. ele foi em cima de como eu os imaginava”.
Taysa Nunes, autora de “Valsa de Fim de Tarde”.
A ideia inicial era disponibilizar a HQ na internet de alguma forma, mas ainda sem perspectivas de como. Foi aí que, no final de 2021, Antunes veio com a ideia de publicá-la de forma virtual, pela Amazon. Taysa permitiu na mesma hora e ficou super emocionada. “Foi um dos meus momentos mais felizes enquanto escritora”, desabafa a autora.
Hoje, toda e qualquer pessoa pode encontrar o livro “Valsa de Fim de Tarde”. Basta procurá-lo no site da loja ou através do link: Valsa de Fim de Tarde eBook : Nunes, Taysa, Antunes Jr., João: Amazon.com.br: Livros.
Quem não tem o Kindle para ler o Ebook, pode baixar o aplicativo para o celular do leitor digital e conferir o trabalho por lá.
A leitura da HQ é um soco no estômago que precisamos levar para acordarmos dessa anestesia chamada “sistema”. Segundo o ilustrador, a obra serve como uma analogia: estamos em um trem e a “Valsa” mostra o que acontece alguns vagões à frente do nosso. No entanto, estamos no mesmo comboio e, de uma forma ou de outra, vamos passar por lá. Por isso, precisamos parar e trocar de trem. (Fica a dica).
Com o acolhimento de uma mulher guerreira e amorosa, Celina teve a chance de renascer ao sol e continuar. Oportunidade que muitos não tiveram na história e não tem na vida real.
…
Quem sabe, um dia, “Valsa de Fim de Tarde” torna-se um livro físico? Desejo para isso já se tem e muito, tanto de João quanto de Taysa, que sonha em sentir o cheiro das páginas de algo seu. E sobre Celina, ela é apenas uma das tantas histórias que a escritora e o ilustrador tem para contar juntes.
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