Tem algo que sempre me encantou em vida e em arte: a arquitetura. Sobretudo, aquela roída com o tempo e marcada pelas rugas de outros ares. Falo de mim, Luiza mesmo. Fico pensando, com certa frequência, quais histórias aqueles muros podem contar. Beijos roubados, abraços desejados, decepções acidentais, nascimentos, fatalidades, conquistas, lágrimas, encontros, partidas. 

Um dia, eu até já escrevi um poema sobre essa particularidade do mundo. Na poesia, destino os versos às ruínas, mas a reflexão que neles sobreponho também podem ser direcionadas às arquiteturas que seguem de pé nos dias de hoje. 

“As digitais são cúmplices da construção
Que agora descansa serena no chão
Mas que outrora fascinava erguida
O tempo do ser persiste no desgaste
Do antigo mais belo e puro contraste
Que vive, hoje, do envelhecer, a ferida”

E assim se desenrolam cinco estrofes de puro vagueio pela arte da edificação.

Na história da Cinderela, a abóbora vira uma carruagem. Na vida real, esses monumentos (seja um Solar ou uma ruína) poderiam se transformar facilmente em livros de história (seja um dicionário ou uma biografia). Porque ao invés de serem escritos da esquerda para direita, de cima para baixo, as linhas são formadas por arestas, vértices, faces, tijolos, pinturas, cimentos, pedras, e tudo o que uma construção é capaz de envolver. Mas as páginas continuam histórias. A pergunta que não quer calar é: nós conhecemos, portanto, a nossa própria história?

Diante deste questionamento, há cerca de 11 anos, criou-se uma caminhada, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, onde o trajeto foi desenhado para percorrer diversos pontos históricos e culturais da cidade. Em cada um, o público pôde entender e conhecer um pouco mais da vida daquele monumento. O evento acontece até os dias de hoje, anualmente, e se tornou um grande festival.

A notícia boa é que a caminhada também vai acontecer aqui em Mossoró. Neste sábado, 03 de novembro de 2022, o povo da cidade vai poder passear pelas ruas, conhecendo e se reconhecendo em lugares, muitas vezes até familiares. Estamos falando da Caminhada Histórica de Mossoró. E para participar, basta levar 2kg de alimentos não perecíveis ao ponto de troca, que fica na loja DCell, no Centro de Mossoró, até o dia 02 de dezembro, e trocá-los pelo voucher da caminhada, que consiste no kit com uma camiseta e um guia histórico. 

#paracegover: ilustração de divulgação da Caminhada. Ao centro, há um varal com quatro fotos penduradas (uma sobre o Sal, Celina Guimarães, carnaúba e petróleo, respectivamente, da esquerda para a direita). À cima, o nome do evento; e abaixo, a data 03 de dez. Tudo está escrito e desenhado em xilogravura cor preta. Ao fundo, em tons terrosos, há imagens borradas de Mossoró, como a Catedral de Santa Luzia e o cangaço.

A Caminhada Histórica de Mossoró tem como um dos seus objetivos unir o conhecimento histórico e cultura da cidade com uma ação de solidariedade, ao realizar a arrecadação dos alimentos para doação. A caminhada, que começa às 16h, contempla um percurso total de 15 pontos pelo centro da cidade, iniciando na Catedral de São Luzia, que foi onde o município surgiu, em 1772. O público poderá participar de forma interativa e envolvendo, unindo a narrativa histórica com o passeio pelos locais que integram o patrimônio cultural mossoroense.

O evento é uma realização da Viva Promoções e o historiador responsável pela curadoria arquitetônica e historial é Alexandre Rocha. O Reticências Culturais conversou com ele para entender ainda mais sobre a importância da Caminhada para uma cidade.

Segundo ele, a ideia surgiu da vontade de se deixar uma marca, um legado para a cidade de Natal, sobretudo no sentido histórico da coisa, visto que os passeios que aconteciam até aquele momento não tinham uma profunda historicidade sobre os locais visitados. Com o surgimento da Caminhada, Alexandre diz que houve uma participação maior de diversos outros segmentos da sociedade, como a imprensa, a educação, etc. O que fez com que as pessoas passassem a se interessar um pouco mais sobre a sua cidade, cultura e história. 

“O diferencial é você ter historiadores que olhem para uma foto e expliquem aquele contexto. Isso tem um papel importante, porque as pessoas se conectam com o passado”.
Alexandre Rocha, historiador da Caminhada Histórica de Mossoró.

Em 2012, aconteceu a primeira edição da Caminhada em Mossoró. No entanto, precisou-se de uma lacuna de dez anos para que a próxima pudesse acontecer. Para este ano, o historiador conta que teve cerca de sessenta dias para estudar a Capital do Oeste Potiguar. Para isso, vasculhou bibliotecas e conversou com outres historiadorxs da cidade, como o conhecido Geraldo Maia.

Uma de suas análises com relação a Mossoró é de que a cidade tem um passado forte e que não é uma cidade arcaica, embora tenha tons provincianos. Ele cita o município como “sempre à frente do seu tempo”, seja com relação às conquistas (ainda que insuficientes) das mulheres; à questão abolicionista; ao fato de ser ponto de intersecção entre o mar e o sertão; ou de estar localizado entre duas grandes capitais – Natal/RN e Fortaleza/CE. Ele ainda destaca o comércio mossoroense, a cultura, e, claro, Antônio Francisco – que conhecê-lo, deixou o historiador bastante emocionado. 

No passeio, de toda forma, a história daquele monumento está sendo contada. Mesmo que seja uma fachada, como Alexandre mesmo diz, ela já é um ponto de memória e o prédio, um registro de como as pessoas pensaram ao construí-lo.  Talvez seja difícil passar pelo mesmo espaço do mesmo jeito. Agora, conexões foram criadas. E não é tão simples desagregar.

#paracegover: Catedral de Santa Luzia vista de frente, com duas torres em destaque. Há carros nas laterais e algumas árvores. O céu está bem azul, com algumas nuvens. Fotografia: Glauber Soares.

A Caminhada Histórica de Mossoró irá começar pelo ponto em que a cidade começou, a Catedral de Santa Luzia, até um dos últimos grandes feitos arquitetônicos, o Teatro Municipal Dix-huit Rosado e o Memorial da Resistência de Mossoró. Durante o percurso, outras histórias também serão relatadas, como a lenda sobre uma baleia que fica por baixo do antigo Cine Cid – hoje, Teatro Lauro Monte Filho; o fato de que Mossoró é o rio que arromba, assim como as enchentes que assolaram a cidade por muitas vezes; o poder de transformar uma tragédia em santidade, como o que aconteceu com a morte do cangaceiro Jararaca; o boato de Cocão; entre outras.

Eventos como esse da Caminhada fazem com que o povo entenda a sua própria história. Seja passando pelo local e, automaticamente, rememorando os relatos, ou até mesmo se despertando para conhecer tal fato. Alexandre Rocha fala sobre oportunizar. Ora por livros ora por conversas ora por aulas ou até mesmo peças teatrais. O desafio no passeio é oportunizar “de uma maneira que não foi escrita”. Assim, arquitetura e cultura se entrelaçam fazendo a arte ser sua própria história. 

“A arte é o todo. A arquitetura é uma manifestação de arte que consegue ficar em prédios, em móveis, em pequenas coisas”.
Alexandre Rocha, historiador da Caminhada Histórica de Mossoró.

O curador histórico faz até uma alusão à dança. Ele compara a percepção das estruturas e construções de acordo com o movimento que elas podem causar. Uma igreja, por exemplo, como a Catedral de Santa Luzia, por fora, é imponente, presente; por dentro, ela te convida a entrar coreografando um movimento próprio, como se te dissesse por onde deves ir, te cantando um passo. 

Ele diz que isso acontece também quando olhamos para outros monumentos. Aproveitar o ambiente que estamos acaba sendo a ponte que a arquitetura faz da arte com a vida real, deixando de ser apenas rastros e passando a se cristalizar como arte, permitindo-nos fazer parte daquela história como seres ativos.

#paracegover: Teatro Municipal Dix-huit Rosado visto de frente. Em primeiro plano, há dias palmeiras. Nas laterais, bandeiras coloridas. Está de dia e o céu está bem azul com poucas nuvens. Fotografia: desconhecido.

É bonito quando a gente vê a arquitetura assim, não é? Ganha um novo sentido. E poderemos fazer isso todes juntes neste sábado (03), durante a Caminhada Histórica de Mossoró, a partir das 16h. Lembrando que para participar, basta levar 2kg de alimentos não perecíveis ao ponto de troca.

O evento é uma iniciativa da Viva Promoções com patrocínio do do Estado do RN através da Lei Câmara Cascudo, apoio da Prefeitura de Mossoró, Tchê Restaurante e incentivado por empresas como SolarBR Coca-Cola e Água Crystal.

Aproveitem!

PERCURSO

  • 1772 Catedral de Santa Luzia | 1772 Capela Santa Luzia
  • Estátua Dix-Sept Rosado
  • 1773 Praça Vigário Antônio Joaquim
  • 1934 Biblioteca Municipal Ney Pontes | Prédio da União Caixeiral (30out)
  • 1883 Praça da Redenção “Dorian Jorge Freire”, que fora a Praça da Independência até a abolição.
  • Estátua da Liberdade
  • 1873 Loja Maçônica “24 de Junho”
  • 1880 Museu Lauro da Escóssia | Antiga Cadeia Pública
  • 1904 Estátua da Liberdade, na Praça da Redenção
  • 1853 Câmara Municipal de Mossoró
  • 1915 Estação das Artes Eliseu Ventania | Estação Ferroviária de Mossoró (7 de fevereiro de 
  • 1915 Igreja de São Vicente
  • Início dec. 1920 Prefeitura Municipal de Mossoró (Palácio da Resistência)
  • Corredor Cultural
  • 1905 Estação das Artes Eliseu Ventania | Estação Ferroviária de Mossoró (7 de fevereiro de 1915) | Museu do Petróleo – estrada de ferro nas pontas, entre Porto Franco/Grossos e Mossoró
  • 2004 Teatro Municipal Dix-huit Rosado
  • 2008 Memorial da Resistência

SERVIÇO

O que é? Caminhada Histórica de Mossoró;
Quando? 03 de dezembro de 2022 (sábado);
Onde? Centro de Mossoró, iniciando na Catedral de Santa Luzia;
Horário? 16h;
Como participar? Levar 2kg de alimentos não perecíveis à loja DCell, Centro, Mossoró/RN.

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