A cidade de Mossoró, segunda maior do Rio Grande do Norte, sempre teve um pé no cinema. Não se sabe bem o motivo. Certo é que, mesmo com apogeus e decadências, a sétima arte está sempre rondando a história do lugar, seja nas ruas, no imaginário ou no dia a dia dos mossoroenses. Com apenas uma sala de cinema funcionando atualmente — dentro de um dos símbolos capitalistas universais mais fortes: o shopping center -, o passado revela uma realidade bem diferente.

Dá para imaginar que por aqui já funcionaram mais de 12 salas de cinema? Talvez isso explique a paixão pelo audiovisual de muitos moradores da cidade, e a força com que a vontade de fazer cinema vem crescendo. É como se, de geração em geração, esse sentimento tivesse sido repassado, mesmo que indiretamente e inconscientemente.

Para contar esta história, é preciso voltar ao começo do século XX. O ano era 1908. O dia: 12 de dezembro. Inaugurava-se em Mossoró o primeiro cinema da cidade: o Cine-Teatro Almeida Castro. A sala dividia espaço com o Grande Hotel , um dos mais requisitados pontos de encontro da época na cidade. O edifício foi fundado por Francisco Ricarte de Freitas, o “Chico Ricarte”, comerciante que tinha uma ampla visão empreendedora. Tanto que a casa de rolos fílmicos de Ricarte surgiu antes mesmo do primeiro cinema da cidade de Natal, capital do estado, o Polytheama, que abriu as portas quatro anos depois, em 1912.

#paracegover: imagem em preto e branco de um prédio de dois andares e de esquina cheio de janelas e portas, com o nome “Grande Hotel” estampado na parte superior. À frente, algumas pessoas caminhando.

Cine-Teatro Almeida Castro funcionava no Grande Hotel

“Quando os rapazes e moças viam foguetões espocarem no céu: festa! Era motivo de que a fita havia chegado de Aracati (Ceará), e que à noite teria sessão de cinema”, explica o pesquisador Geraldo Maia.

Nessa primeira década do século XX, o cinema mudo era quem tomava conta das casas de show. Só em 1927 que o diretor Alan Crosland, cineasta nova-iorquino, estreou o primeiro filme sonoro do mundo. O Cantor de Jazz pegou todo mundo de surpresa. Ao mesmo tempo foi um estranhamento e uma admiração entre as pessoas. No Brasil, o primeiro longa-metragem falado foi “Acabaram-se os Otários”, do cineasta Luiz de Barros, exibido em 1929, na cidade do Rio de Janeiro-RJ.

Em Mossoró, como não havia a junção áudio/visual ainda, a trilha sonora do filme era feita ao vivo: um pianista homem ou mulher era posto por trás da tela para produzir a trilha ali mesmo, improvisada e instintivamente. Se a cena era de perseguição, por exemplo, a melodia criada tinha uma pegada mais forte, acentuada e acelerada; já se a cena tivesse um toque de drama, a trilha espontânea seguia uma linha mais melancólica.

Uma mulher fez isso em Mossoró: Dona Dulce Escóssia. Uma costureira por formação e pianista por amor. “Minha mãe tocou no Cine Glória”, explica sua filha, Maria Lúcia Escóssia. Este cinema foi aberto em 1925. Só no dia 22 de novembro de 1933 que o primeiro filme falado foi exibido na capital do oeste, o romance “Ama-me Esta Noite”. Maria Lúcia, hoje com 91 anos, herdou da mãe a paixão não só pela sétima arte, mas por todas. Lúcia ainda tentou fazer carreira como pianista, mas “quando eu levei um tapa na mão por ter errado uma nota, não deu outra, larguei na mesma hora as aulas”.

O seu amor mesmo era pelo teatro e pela militância. Aprendeu a tocar pandeiro, acordeom, e mais outros instrumentos considerados “masculinos” para a época. Com isso, integrou o Luizas de Marilac, um grupo composto por mulheres que faziam apresentações pela cidade, além de movimentos beneficentes e de caridade. Eram à frente de sua época. “Em 1957, eu e as outras mulheres do grupo nos apresentamos no Cine Caiçara, quando a miss Brasil da época, Terezinha Morango, veio a Mossoró. Olha, eu sou essa com o pandeiro”, conta apontando para a foto.

#paracegover: foto em tons de sépia. À frente, há um homem e uma mulher com microfones em pedestais. De fundo, outras mulheres com blusas brancas e saias pretas olhando para o casal. Ao lado esquerdo da foto, uma mulher com um acordeon, e ao lado direito, uma mulher segura um pandeiro, que é justamente Maria Lúcia Escóssia. Fotografia: acervo pessoal.

Além disso, chegou a se apresentar também no antigo Clube Ipiranga (hoje, Associação Cultural e Esportiva Universitária — ACEU). Com o teatro, alcançou altos patamares. “Aqui [mostrando a foto] eu ganhei o prêmio de melhor atriz coadjuvante num festival de teatro da Paraíba, no ano de 1969, com a peça O Pagador de Promessas”. Maria Lúcia Escóssia ainda chegou a assistir a um filme colorido com a atriz Shirley Temple, no Cine-Teatro Ameida Castro.

Durante todos esses anos, o modo de se vestir, as roupas que eram utilizadas, acompanharam o tempo. Roupas estampadas causavam espanto. “Chinela japonesa” então, era motivo de olho torto. Nesses períodos, ir ao cinema era como ir a um evento. As roupas eram neutras; cores pretas, brancas ou tons pasteis; os homens usavam ternos e gravatas; as mulheres, vestidos, saias compridas e saltos.

Em 1915, um ano antes da energia elétrica chegar a Mossoró, mais um cinema abria as portas: O Cine Ferreira Chaves. Ele funcionava na Rua do Comércio, e teve curta duração. Antes dele, ainda houve uma tentativa de instalação do cinema Politeama. Sem sucesso. Só vinte e oito anos depois seria inaugurada uma nova casa de rolos na cidade. Uma que todo mossoroense conhece bem.

O período áureo do cinema em Mossoró aconteceu mesmo depois do Cine Pax. Estreando no dia 23 de janeiro de 1943, a casa de filmes trouxe não só películas de todos os tipos, mas muitas histórias e cultura para os mossoroenses. O dono era um empresário cearense, que desde cedo veio morar em Mossoró. Jorge Pinto era muito estrategista e empreendedor, além de “um apaixonado por filmes”, como diz sua filha, Lúcia Pinto. Desenhou a planta da igreja matriz do município de Areia Branca e, nesta cidade, também foi proprietário do único cinema do lugar naquela época. Também foi dono de outro casa de cinema, chamada Imperial, onde também funcionava uma casa de show e danceteria.

#paracegover: imagem em preto e branco. Ao fundo, a fachada do Cine Pax com o nome do cinema estampado na parede. À frente, na Praça Rodolfo Fernandes, há muitas árvores e o teto redondo de um espaço de convivência.

A localização do Cine Pax ajudou na sua popularidade. Fixado em uma das esquinas mais movimentadas do centro de Mossoró — em frente à Praça Rodolfo Fernandes –, esse cinema servia também como lugar de encontro para muita gente. Hoje, é comum ver alguém em Mossoró citar a “Praça do Pax” como ponto de referência para algum endereço, embora muitos não saibam de onde vem o nome. A popularidade e a localização levaram o cinema a fazer parte da conversação popular.

Empresário Jorge Pinto abriu duas casas de cinema em Mossoró

Segundo Geraldo Pires, colecionador e amante do cinema, “o primeiro filme a ser exibido lá foi Formosa Bandida, um longa de faroeste, produzido ainda em preto e branco” e que tinha como direção Irving Cummings. O primeiro projetor do Cine Pax era da marca Zeiss, e quem manuseava era Seu Luís Martins. “Balão”, como também era conhecido, foi o projecionista — quem organizava a engrenagem do rolo na máquina para poder ser exibido na tela — que durou mais tempo neste local. Foram 35 anos colocando e tirando filme enquanto assistia-os.

“Antes de mexer nas máquinas, vendi pastel na frente do cinema, depois o varredor do local, e só em 1981 que comecei a trabalhar diretamente com os filmes”, fala Seu Luís, com voz baixa e forçando um pouco a memória.

O Cine Pax teve sessões lotadas em diversos filmes que ficaram em cartaz. Dio Como Ti Amo, de Miguel Iglesias, Os Dez Mandamentos, com direção de Cecil B. DeMille, e Haboo, de Vicente Celestino, foram sucesso de vendas. “Quando a casa lotava, eu gostava muito, porque o público ia lá para o primeiro andar, que era onde eu trabalhava, e eu não ficava mais sozinho”, conta seu Luís. E nem só de cinema vivia o Pax. Até o rei, Roberto Carlos, se apresentou no local, quando ainda nem se imaginava que chegaria à “realeza” da Música Popular Brasileira. Não podia dar outra. Casa lotada.

As películas dos filmes eram alugadas e vinham de outras capitais do país. Jorge Pinto as recebia de Recife e distribuía para Mossoró e outros doze municípios do estado potiguar. Os rolos eram dispostos em partes iguais e o filme era exibido com interrupções. O projecionista colocava um, pausava para colocar o outro, e assim ia até finalizar a exibição. O ruim é que nas transições, alguma cena acabava sendo cortada. Essa espécie de edição causava aborrecimento na plateia, e era comum ouvir um “ó o roubo!”. Além disso, a utilização exacerbada de um mesmo filme também gerava desgaste no rolo, o que deteriorava ainda mais o material.

Uma das pessoas que faziam questão de reclamar do problema era Geraldo “Eu ficava com muita raiva, porque a gente estava assistindo o filme, aí quando trocava, tinha cena faltando. Gritei ‘ó o roubo!’ várias vezes naqueles cinemas”, fala Geraldo Pires, colecionador de maquinários cinematográficos antigos e amante das lentes e do audiovisual. Só tempos depois que um brasileiro teve a ideia de juntar as partes diferentes seguidas uma na outra em uma mesma ferramenta.

Parte dos equipamentos usados na projeção de filmes nos antigos cinemas de Mossoró encontra-se preservada por Geraldo Pires

#paracegover: Geraldo Pires está com roupa preta, óculos preto e tem cabelos grisalhos. Ele está manuseando um dos instrumentos de rolo antigo que ele tem. Ao redor, há uma antena e outros objetos. Fotografia: Luiza Gurgel

Era comum em certo horário ouvir dos cinemas uma espécie de toque avisando que estava perto do filme começar. Chico Window, ator e atualmente funcionário do Teatro Municipal Dix-Huit Rosado, faz questão de definir: “se fossem badaladas, era no Pax; já se o som fosse de sirenes, era no Cine Cid ou no Cine Caiçara”, outros dois grandes cinemas que fizeram história em Mossoró.

Este último deixou um legado muito forte. Inaugurado em 28 de maio de 1975, O Cine Caiçara era um espaço multicultural, onde não só o cinema reinava, mas também o teatro e a música. Tinha pouco mais de 500 lugares, e lá também funcionava a Rádio Difusora de Mossoró. Nos domingos, tinha a sessão de arte, onde os filmes mais rebuscados e cults eram exibidos — posteriormente, ficou conhecido pela qualidade de roteiros que passavam por lá.

Bem perto deste local, na casa do meio das três residências que ficavam em frente à uma das igrejas mais conhecidas da cidade, a São Vicente, morava Chico Window. Na época, uma criança com idade entre 12 e 13 anos, astuta e curiosa. A presença dele era certa nas sessões de arte do Caiçara. Não é à toa que hoje ele é um apaixonado pelo cinema e considerado guardião do Teatro Municipal.

#paracegover: Chico Window está de lado, olhando os livros que estão na estante da sua sala. Ele usa óculos e está vestindo uma camisa branca. Fotografia: Luiza Gurgel.

O Cine Caiçara foi palco para muitas pessoas e muitos acontecimentos. Em 1992, o espaço estava quase de portas fechadas, e como o principal teatro de Mossoró não havia inaugurado ainda — só em 2003 –, o Caiçara era um dos poucos lugares que os artistas tinham para se apresentar. Com o pouco de incentivo e muita garra, eles mobilizaram-se a fim de evitar o fechamento.

Essa movimentação chamou a atenção do ator global Stênio Garcia, que logo pousou em Mossoró para se juntar ao grupo e fortalecer a reivindicação. Era os artistas em defesa da casa, e as autoridades absorvidas pelo capitalismo tentando transformá-lo em ponto comercial. Em 1999, o Caiçara fechou. Mas uma frase dita pelo ator capixaba não deixa morrer a presença do cinema e o quanto ele foi importante para a trajetória artística de Mossoró:

“vamos transformar um cinema morto em um teatro vivo”.

#paracegover: Cine Caiçara, em foto preto e branco, sendo visto num ângulo diagonal. A fachada contava com o nome do cinema no centro, com as iniciais “CC” na ponta inferior esquerda e na mesma ponta, porém, superior, havia uns números. À frente da fachada, há pessoas circulando.

O proprietário do Cine Caiçara foi o empresário Renato Costa, dono também de outro cinema da cidade: o Jandaia. Localizado na Avenida Alberto Maranhão, próximo à região do Alto do Louvor, o cinema também continha pouco mais de 500 assentos. Até hoje, algumas pessoas, quando falam neste cinema, ficam constrangidas. Isso porque o Alto do Louvor era uma região de cabarés, e por isso, frequentar a casa de filmes era dizer que andava por aquelas ruas.

Na inauguração, em 1958, o filme exibido foi “Dois Destinos Se Encontram”, com direção do britânico Roy Boulting, e estrelado por Jane Greer e Richard Widmark. “Sabe uma coisa interessante é que, nessa época, às vezes, o mesmo filme passava em sessões diferentes em mais de um cinema e no mesmo dia”, aponta Chico Window. E explica: “quando um rolo finalizava em uma casa, alguém o pegava para levar correndo para o outro cinema poder começar a sessão. Isso era comum entre o Cine Cid, o Pax e o Cine Caiçara”.

#paracegover: a foto está em preto e branco e tons de sépia. É a fachada do Cine Jandaia. O teto é em formato de meia-lua e tem o nome do cinema estampado na frente. HÁ uma porta e algumas frestas de janela.

Cine Jandaia na Avenida Alberto Maranhão, bairro Bom Jardim

Em Mossoró, teve ainda o Cine Déa, inaugurado em 1944, por José Moreira e José Bonifácio Costa. Este, “irmão da minha mãe, Macrinha”, fala Lúcia Pinto, filha do dono do Pax. Em 1957, foi a vez do surgimento do Cine Centenário, que pouco é lembrado. Alguns falam da existência do Cinema dos Ferroviários, nos anos 70; outros, do Cinema Guarani. Teve também, em Mossoró, o Cine São José, de José Bedeo, que ficava no bairro Paredões.

Além desses, o Cine Rivoli foi essencial na história do cinema mossoroense. A primeira vez que Chico Window pisou em uma dessas casas de rolos foi no Rivoli, com o filme “Tarzan”. Foi ele também o último cinema dessa época que Seu Geraldo frequentou. Aberto em 1962, “o Rivoli cabia mais ou menos 200 pessoas, tinha também uma entrada estreita, e ficava na Rio Branco [uma das principais avenidas de Mossoró]”, lembra Chiquinho, como também é conhecido Chico Window. Geraldo Pires ainda acrescenta que ficava onde é hoje o prédio do Jornal de Fato; e era semelhante ao Cine Cid, que tem sua arquitetura externa preservada até hoje.

O Cine Cid pertencia a um grupo de empresários liderado pelo político Dix-huit Rosado — figura política local que dá nome ao Teatro Municipal. Inaugurado em 22 de julho de 1964, o Cine Cid foi construído na parte superior da casa onde a família do proprietário cresceu. “Eu até fui chamado para trabalhar lá, mas ia pagar mal. Não aceitei”, fala o projecionista do Pax.

O primeiro filme apresentado foi “O Candelabro Italiano”, de Delmer Daves, cineasta estadunidense. Uma curiosidade sobre esse tempo é a presença de cineclubes, o que estava cada vez mais escasso. Ao final de cada filme, não só no Cine Cid, mas em quase todos os outros cinemas, os jovens iam se encontrar para falar sobre os filmes que haviam assistido.

#paracegover: foto em preto e branco que mostra o Cine Cid ao fundo, com uma fachada quadrada e o nome do cinema escrito na parte superior, e em primeiro plano, a Praça Vigário Antônio Joaquim, em frente à Catedral, com algumas poucas pessoas caminhando e algumas árvores.

“Eu lembro muito de quando a gente saia do Cid e ia para o Skinão, uma sorveteria que ficava ao lado, para ficar conversando sobre os diretores, os atores e atrizes, o roteiro. Era muito bom […]. A gente também sempre pegava um ônibus para passear pela cidade e pelos bairros depois de cada sessão, só para conversar sobre os filmes e paquerar muito”, relembra Chiquinho.

Um cinema ao ar livre

Outro cinema importante da cidade foi o Cine Imperial. Sua principal característica era o fato de funcionar ao ar livre. Todo o maquinário foi montado por seu Luís Martins, o projecionista do Cine Pax — que também ajudou na manutenção de outras casas da cidade. Assim como o Pax, o Imperial era do empresário Jorge Pinto.

Lá, funcionava também sua residência. Antes morando na esquina defronte à Praça da Independência, vizinha ao Grande Hotel na época, a família de Jorge só se mudou para a casa que futuramente seria o Cine Imperial em 1950. No lugar hoje funcionam o Jardim e o Posto Imperial, na Avenida Presidente Dutra.

O Imperial era muito mais do que um cinema. Casa de shows, discoteca, clube, e exibia os filmes. O posto de combustível existe desde 1971, e aproximadamente quatro anos depois, em 1975, foi que o cinema passou a existir. A frente do posto ficava lotada quando tinha sessão no cinema, porque o acesso era na lateral esquerda do abastecedor. Na entrada, o público já se deparava com uma placa luminosa com a programação, e a bilheteria, que foi preservada.

No interior, a sala de projeção ficava em um segundo andar à direita estando em linha reta com um muro bem alto que servia como tela para as películas. No centro, um dance, arrodeado de mesas com sombrinhas para as pessoas instalarem-se. Abaixo da telona, um palco com ponta arredondada para as bandas em dia de festa. De dia, também tinha atividades. Na parte de trás, tinha um muro de pedra que servia de cascata — a água era bombeada do rio que passa nos fundos do terreno. “Tinha gente que pegava até canoa do outro lado do rio para chegar aqui no Cinema sem precisar pagar, você acredita, minha filha?”, lembra Lúcia Pinto.

#paracegover: parede alta com três aberturas, que era onde as luzes dos filmes saíam para serem projetados. A parede é branca e tem uma porta azul com janelas. `À frente, há plantas. A foto é atual. Fotografia: Luiza Gurgel.

“Tudo daqui de casa tem esse nome [Imperial] por causa de uma palmeira imperial bem bonita e formosa que tinha ao lado do posto, na época. Mas veio uma ventania muito forte e derrubou tudo”, explica dona Lúcia Pinto.

O projetor, inicialmente, era composto por três partes, segundo Seu Geraldo: “o pedestal, o cabeçote e a lanterna”. Os projetores e as máquinas, em Mossoró, acompanharam os anos. A lanterna do Cine-Teatro Almeida Castro, o primeiro de Mossoró, está preservada e se encontra no acervo de Geraldo. No Cine Imperial, o projetor original também está atualmente com o colecionador. Ele estima que juntas, as três partes montadas chegam a 2m e 40cm de altura. Os filmes tinham tamanhos diferentes. “A largura de uma película cinematográfica mais comum nessa época era de 35mm, mas também era fácil encontrar uma de 16mm”, explica.

Existiam películas cujo tamanho atingia 8mm, mas estas eram presentes mais em registros de filmes feitos em casa. Cada filme tinha uma ponteira, ou seja, uma parte vermelha que antecedia o início das imagens que compunham o filme.

É difícil saber ao certo o valor dos ingressos para entrar nas casas de rolos e shows — nenhum dos entrevistados e entrevistadas souberam dizer. Entre os anos 1908 e 2008, muitas moedas foram utilizadas e cada uma com seu valor, o que acaba confundindo no preço do bilhete. Na maioria dos anos, foram o cruzeiro novo, cruzeiros, cruzado, e posteriormente, o real.

Nessa época, além do dinheiro, realizar algumas trocas também servia. “Troquei muita caixa de sabão Omo por um ingresso”, Chiquinho rememora saudoso. Apenas no século XXI, quando só o Pax resistira ainda, que o público tem uma memória mais recente de quanto custava a entrada: R$10,00 adulto e R$5,00 estudante.

A trajetória do cinema na cidade de Mossoró começou a entrar em decadência quando a violência cresceu e passou a tornear os locais, a televisão invadiu as residências e, posteriormente, quando o videocassete se tornou comum, segundo Maria Lúcia Escóssia e Chico Window.

A sétima arte passou por uma crise, onde várias casas de filmes fecharam as portas ou tornaram-se outros estabelecimentos. O prédio onde funcionou o Cine-Teatro Almeida Castro, hoje, é uma loja de roupas; no prédio do Cine Caiçara, a maior parte é um prédio comercial que ganhou o mesmo nome do cinema, e apenas uma pequena parte está mantida, porém abandonada; o Cine Cid é o segundo maior teatro da cidade, o Teatro Lauro Monte Filho. Após anos abandonado, só em 2018 foi reformado; o Cine Jandaia, hoje, transformou-se em uma igreja evangélica.

Os dois cinemas de rua, Centenário e Imperial, não tiveram o mesmo fim. Este quando acabou teve o Jardim Imperial no seu lugar, no qual existe até hoje e quem cuida é Lúcia Pinto, filha de Jorge. O Cine Pax encerrou-se no ano de 2008. Logo em seguida, foi substituído por uma loja de variedades, e depois pela loja de roupas Marisa, estando até os dias atuais, deixando do cinema apenas o nome na fachada. O que antes tinha hora marcada e era motivo de encontro para muitos mossoroenses, nesse momento já não existe mais.

E assim, a gente vai construindo novas histórias, novos presentes, novos motivos para viver o cinema em solo mossoroense. Ressignificando momentos e transformando gerações, hoje, a sétima arte continua viva na cidade, no entanto, cheia de novos labirintos e possibilidades. Mas isso, a gente deixa para uma próxima reportagem.

PELAS MINHAS PALAVRAS

#paracegover: Luiza Gurgel está sentada ao lado de Lúcia Pinto, filha de Jorge Pinto, criador do Cine Pax e Cine Imperial. Luiza está com short e camisa branca com detalhes pretos, e Lúcia, com saia preta e camisa azul com detalhes brancos. Ambas estão sorrindo e sentadas em cadeiras de balanço no terraço da casa de Lúcia. Fotografia: Plínio Sá.

É louco pensar que nesse lugar que eu toco, nesse lugar que eu vejo, já se passaram tantas e tantas histórias. Quantas pessoas estiveram aqui para assistir a um filme? Quantas pessoas poderiam estar aqui se tudo tivesse sido perpetuado? São perguntas irrespondíveis que a sua finitude do pensar é o que me faz querer descobrir que história é essa.

O passado anda ao nosso lado, e a gente não percebe. As chaves que trancam o ontem, às vezes, é aquele senhor calado e cabisbaixo por trás de um balcão, basta um esforço e uma pitada de curiosidade para descobri-lo. Foi assim que eu pude escrever essa matéria. Conheci senhoras e senhores que viveram momentos únicos na cidade, nos cinemas. Pessoas estas que, se as memórias existem, avivam a história dessa realidade cinematográfica.

Emprestei o meu silêncio a oito pessoas principais e outras secundárias para, simplesmente, ouvi-las. Com isso, pude descobrir um tempo que era desconhecido para mim.

À minha frente, vi um homem de 54 anos chorar ao lembrar da juventude no Cine Pax; escutei uma senhora de 91 anos rememorar uma música de quando se apresentou no Cine Caiçara; ouvi outra senhora de mais de 80 anos apontar os detalhes do Cine Imperial; toquei no projetor fílmico centenário do Cine-Teatro Almeida Castro; conversei com duas produtoras audiovisuais que fazem questão de manter a chama do cinema viva; escutei um senhor de 77 anos, que por trás do vendedor de um pequeno estabelecimento de 2m² tem o profissional responsável pela montagem dos rolos no projetor de muitos filmes que você deve ter assistido.

Infelizmente, Mossoró não tem a cultura da preservação histórica e cultural. Isso se confirma na frequência com que casas antigas e arquiteturas seculares são destruídas para se tornar estacionamentos. Não é de se surpreender que esses cinemas dos quais existiram desde o ano 1908 a 2008 tenham fechado as suas portas. Aqui, é como se a cultura e a arte, por não ser “vendáveis” e “comerciais” para algumas pessoas, não fossem relevantes. Ainda mais nesta cidade que se autodenomina “capital da cultura”. São controvérsias que se concretizam no dia a dia e no incentivo popular.

A todas essas pessoas que contribuíram para a construção desse panorama do cenário cinematográfico da cidade de Mossoró, digo: o tempo é como tatuagem antiga, que perde cor, mas nunca a magia. Ele conversava comigo, rascunhando-me e deixando as suas marcas em mim. Ali, o tempo parou nele mesmo, e eu parei junto: ouvindo-o, vivendo-o, sentindo-o.

(Esta matéria foi idealizada, pesquisada e escrita por Luiza Gurgel, durante disciplina do Curso de Comunicação Social - Jornalismo, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN -, no ano de 2019, enquanto estudante, sob coordenação do professor Esdras Marchezan, o qual realizou a correção final deste texto). 

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