E quando o espírito subversivo de um movimento que aconteceu há tempos salta dos livros de história e se concretiza nas ruas da nossa cidade… o que se faz? Eu digo: prestigia-se. Até porque não é todo ano que se completa 22 anos de um dos eventos mais significativos e importantes da nossa literatura brasileira.
Quem pegou os sinais está por dentro do assunto, mas de toda forma, vamos relembrar. Eu estou falando da Semana de Arte Moderna ou Semana de 22, que aconteceu naquele ano do século XX, em São Paulo/SP. Diversos artistas se reuniram, entre eles, da dança, música, teatro, artes visuais, literatura, entre outros, para vivenciar uma manifestação artístico-cultural que visava propor uma nova visão de arte, a partir de uma estética inovadora inspirada nas vanguardas europeias.
Parece que aquela arte tradicional, formalista, academicista, parnasianista, não estava mais agradando a todes. E nada melhor do que uma pitada de estremeço nas estruturas, um galão de quebra de tabus, uma dose de renovação artística no país e um gole de abalo no que já era costumeiro de se ver, para fazer isso, não é mesmo?
Foi assim que entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922, a arte brasileira passou a ser notada como de fato brasileira. Mário de Andrade, Oswaldo de Andrade, Di Cavalcanti, foram nomes centrais na articulação da Semana de Arte Moderna de 22, movimento que balança os costumes e paradigmas do ser e fazer arte modernista no Brasil.
Naquele ano, comemorava-se o centenário da independência do país. Hoje, celebramos o mesmo lapso de tempo daquela semana que mudaria – ou ao menos contribuiria para – o cenário artístico da terra do pau-brasil. E para não deixar que esse marco passasse em branco, o grupo de teatro Fala Barroco, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), realizou o projeto Semana de Arte Contemporânea: Transfigurações, fazendo alusão ao movimento de 22 e adaptando-o para os dias atuais.
A grande responsável por essa realização foi a professora do Curso de Letras da Universidade, Leila Tabosa. A coordenadora conta que a ideia surgiu ainda quando ela fazia graduação, a partir do momento em que conheceu o professor Dr. Francisco Ivan, há cerca de 20 anos. Foi durante uma aula em que o mestre falava sobre a arte barroca, Oswald de Andrade, a Semana de 22 (na época, comemorando 80 anos) e as estranhezas e fascínios da antropofagia, que ela pensou: “por que não celebrar tudo isso daqui a 20 anos?”
No tempo póstumo que Leila vislumbrava, mestrado, doutorado e concurso seriam coisas certeiras na sua vida, visto que ela almejava isso desde a faculdade. E assim aconteceu. Neste efêmero 2022, ela e uma série de estudantes-artistas e artistas-estudantes fizeram o movimento acontecer, reivindicando a transfiguração de 1922 e trazendo discussões acerca da Semana e seus desdobramentos.
“Comecei a trabalhar nas ideias e minha trajetória acadêmica me trouxe para a UERN. A Fala, hoje, e a partir do Fala, Barroco é o lugar perfeito para figurar e transconfigurar os perfeitos modernistas de pintura, escultura, poesia, música. Então, deu certo aquele sonho iniciado 20 anos atrás”.
Leila Tabosa, professora universitária e coordenadora da Semana de Arte Contemporânea.
Em entrevista concedida à UERN TV, a professora diz que celebrar o centenário da Semana de 22 é se encontrar na arte e na cultura, ao mesmo tempo em que se afasta do lugar de burguesia presente também naquele momento. Agora, estando e sendo mulheres, pessoas pretas, indígenas, LGBTQIAP+. Dialogando com a Semana de Arte Moderna, trazendo para a contemporaneidade o Brasil plural.
O evento aconteceu do dia 01 a 08 de abril deste ano, de forma híbrida. No formato remoto, foram organizadas mesas redondas, minicursos e simpósios temáticos. Já no formato presencial, o evento realizou uma série de atividades culturais em diversos pontos da cidade, entre exposições, cortejo, rodas de capoeira, oficinas, intervenções culturais e lançamento de livros.
As ruas do centro de Mossoró foram tomadas por arte. Quem passava por ali, ao longo dos sete dias de evento pôde desfrutar de um ar diferente, resultado do elo entre educação, cultura, história e pluriversidade – não “uni”. Para a felicidade de todes, a Semana de Arte Contemporânea virou filme, e quem não conseguiu prestigiá-la de perto, vai poder fruí-la através de uma tela.
Durante toda a programação da Semana, o produtor audiovisual Eduardo Bandeira registrou cada momento. Detalhe por detalhe, o movimento virou “Antropofagias”, um musical do cortejo encenado pelo Fala Barroco. O filme será exibido nesta terça-feira (29), numa pré-estreia bonita na sala de cinema do SESC Mossoró, às 18:30h. E terá estreia para o público geral no Multicine Cinemas, dia 03 de dezembro, às 19h.
“Além de muito trabalho e aprendizado, conseguimos um produto audiovisual que entrega uma versão emocionante da semana de arte contemporânea transconfigurações 2022. Foi um evento grandioso, com várias apresentações artísticas que se transformaram em um musical de 80 minutos. Estamos todos felizes”.
Edu Bandeira, produtor audiovisual e diretor de “Antropofagias”.
VEJA O TRAILER:
“Aí você já brinca com o desconforto, né? Eu não tô no conforto de uma sala de espetáculo, onde tudo é previsível. Aqui, as buzinas sinalizam outro tempo, meu texto precisa ser ampliado, os meus silêncios, o Sol é a grande luz, então é uma brincadeira, né? Descobrir o novo, o espaço e as paredes possíveis”, relata o ator Jeyzon Leonardo, que esteve presente no processo de montagem de Transfigurações, em entrevista para a UERN TV. Todos esses eventos que ele explica serão mostrados no filme “Antropofagias”.
Sob direção de Edu Bandeira e produção executiva de Leila Tabosa, o filme irá retratar os episódios vividos na Semana de Arte Contemporânea, protagonizada pelo grupo Fala Barroco, aqui em Mossoró/RN. As lentes capturaram espetáculos artísticos, de todos os segmentos, em uma verdadeira antropofagia. Pelos poros de uma tela, a reconfiguração da Semana de Arte Moderna estará presente, gritando as derrotas e acertos do movimento.
A pré-estreia do filme acontece na sala de cinema do SESC Mossoró, nesta terça-feira (29), às 18:30h, para convidados e convidadas. A estreia oficial de “Antropofagias” será no Multicine Cinemas, no Partage Shopping Mossoró, no dia 03 de dezembro de 2022 (sábado), às 19h, e terá exibições nos dias 07 e 08 do mesmo mês, também no Multicine, às 19h.
Em Natal/RN, haverá, nos dias 14 e 15 de dezembro, uma sessão do longa-metragem com bate-papo sobre o filme no Instituto Ágora, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Antropofagias” ainda estará em cartaz no Rio de Janeiro/RJ, Belo Horizonte/MG e São Paulo/SP, no mês de fevereiro de 2023; e em Fortaleza/CE, em março do ano que vem. Com detalhes ainda a definir.
“Se preparem para ver de pertinho uma vastidão de cores e sentir grandes emoções!”.
Fala Barroco, grupo de teatro da Semana de Arte Contemporânea.
A Semana de Arte Contemporânea de 2022: Transfigurações tem colaboração artística de Daniel Mariano, Edu Bandeira, Isaías Medeiros, Jeyzon Leonardo, Luciana Dias, Leila Tabosa, Meire Araújo, Mônica Danuta e Yasmim Oliveira. No elenco, Eduardo Pinto, Antônio Lucas, Alexandre Bezerra, Armando Sérgio dos Prazeres, Beatriz Couto, Bia Crispim, Daniel Mariano, Yanne Oliveira, Derycly Gaudino, Hiarla Rodrigues, Luís Carlos Júnior, Myriam Ramana, Tony Silva e Yasmim Oliveira.
A obra ainda contou com a presença de Antônio Francisco, Daiany Dantas, Lenilda Souza, Marcus Vinícius, Nôra Aires, Camila Paula, Wellitânia Thaís, entre outros nomes.
O evento que acontece em abril de 2022 pelo Fala Barroco teve apoio da Pró-Reitoria de Extensão (Proex), a Diretoria de Educação, Cultura e Artes (Deca), o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPCL), o Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras) e o Grupo de Estudos de Literatura e Suas Interfaces Críticas (Gelinter).
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SERVIÇO:
O que é? Exibição do filme “Antropofagias”, sobre a Semana de Arte Contemporânea: transfigurações, do Fala Barroco;
Quando? 29 de novembro de 2022 (terça-feira);
Onde? Sala de cinema do SESC Mossoró (Rua Dr. João Marcelino, 4000, Abolição, Mossoró/RN);
Horário? 18:30h.
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Sobre o Fala Barroco:
O grupo Fala Barroco surge de uma vontade da professora Leila Tabosa de criar um projeto que congregasse todos os cursos da Faculdade de Letras e Artes (FALA), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). A partir daí, surge o nome “Fala”, e, segundo a idealizadora, “Barroco” vem da estética teórica que ela pesquisa e estuda há mais de vinte anos.
Leila conta que criou esse grupo com esse nome com o intuito de aglutinar estudantes para fazer de fato o que o título da Faculdade (Letras e Artes) propunha a fazer. Dessa forma, o Fala Barraco existe desde 2014, como um movimento contínuo e transtemporal. Desse momento em diante, os artistas Isaías Medeiros e Meire Araújo juntam-se à direção do grupo e cria-se a base dessa tríade em que o Fala Barroco se concretiza.
“Quando cheguei à Fala, cheia de ideias e dos ideais, o professor Moisés era Chefe do Departamento e me disse: ‘aqui, as Letras estão tristes e as Artes, mortas. Nossa Fala não fala desse jeito que você idealiza’. Percebi o tamanho da responsabilidade. Não temi. Não tememos. Então, “Fala Barraco”. E como falamos”. Leila Tabosa, diretora do Fala Barroco.
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