Nem nos roteiros mais loucos, seria possível imaginar que uma atriz lá de Cruzeiro do Sul, município do Estado do Acre, estaria morando em Mossoró. E ainda mais com a história que ela tem, quase como quem vive mais de uma vida. Mas isso é resultado da potência que é essa mulher e da força que ela carrega nas tuas palavras ditas e não ditas.

Seu nome é Brenn Souza, atriz, escritora, artista, acreana, libriana, travesti. Mulher arretada que só quem nasce no Norte e vive no Nordeste poderia ser. Brenn traz isso na tua carne de artista e no teu corpo político: a junção do que é ser “nortestina”, e ela deságua esse grito no rasgo da tua voz. 

É sendo ponte para que todes, todas e todos conheçam e se encontrem na artista, que a playlist do mês de abril do Reticências Culturais é assinada por ela. É com muita felicidade que digo que vocês já podem ouvir a playlist SER, da atriz Brenn Souza.

#paracegover: Brenn Souza está séria, maquiada, com olhos bem marcados e gloss dos lábios, além de cabelo curto e cacheado. Fotografia: desconhecido.

O teatro não é suficiente para um corpo que pulsa. Por isso, Brenn foi se tornando artivista com pegadas semeadas nos quatro cantos desse Brasil Colunista trans da Mídia NINJA, embaixadora e voluntária na TODXS Brasil e co-fundadora da Coletiva Em Tetelas de Teatro, no Acre, Brenn, em plenos seus 25 anos, vive hoje em Mossoró. 

No entanto, todo esse caminho começou bem lá atrás. Foi ainda na infância, no processo de alfabetização, que o destino de atriz já dava os seus primeiros sinais, durante as tantas participações nas peças do colégio. Porém, foi em 2013 que o envolvimento da artista ficou mais forte, quando a sua mãe faleceu, e o único colo que ela viu possível de receber foi da arte. 

#paracegover: a foto está em preto e branco. Brenn está encenando, com a boca semi-aberta, a mão gesticulando e o pescoço com veias. Ela usa um sutiã e brincos de argola. Seu cabelo está preso. Fotografia: CassisPlay.

Passou pelo teatro dentro da igreja, dentro e fora dos bastidores, buscando encontrar na cultura uma válvula de escape, e assim se manter de pé. Dois anos depois, no ano de 2015, Brenn entrou para o curso de teatro da Universidade Federal do Acre. Foi lá onde ela definitivamente abraçou a arte. Agora, não só como hobby ou paixão, mas também profissão. 

Primeiramente, ela se adentrou no teatro. A partir desse momento, pode se encontrar em outros segmentos também. Daí em diante, não parou mais de trabalhar com a arte e viver dela. “Como meu professor de jogos teatrais falava, fui picada pelo bichinho da arte; e uma vez que isso acontece, você nunca mais deixa de ser atravessade pela mesma”. É bem assim mesmo. 

“Hoje, sigo desbravando as encruzilhadas deste país, me desdobrando entre becos e vielas da vida. Busco a todo momento me reinventar e redescobrir em minhas particularidades e singularidades, transitando entre o eu e o todo”.
Brenn Souza, atriz.

Brenn conta que a arte é a sua religião, sua vida, seu “eu”, e ela é a arte; é “minha válvula de escape das dores que a sociedade deposita sobre mim”. É bonito, intenso e íntimo ver a forma como a própria artista se descreve enquanto ser, portanto, eis as palavras dela mesma:

A Brenn artista é uma grande apoteose, um leque de possibilidades que se dissolve em várias Brenn’s. Compromissada com o trabalho artístico, sempre dá o seu melhor quando está no palco ou em alguma produção, não teme nada, se joga de cabeça sem medo das consequências, sem filtro e sem vergonha, disposta a despir-se por completa perante o público e sociedade, fazendo sempre como se fosse sua última vez no palco”.

Entendem a dimensão dessa mulher? É forte, potente, necessária. 

#paracegover: Brenn Souza está com o cabelo preso e maquiada, com olhos bem marcados e pretos, e um batom amarronzado. Ela está com uma roupa tomara-que-caia e uma tatuagem à mostra abaixo do seu ombro esquerdo. Ela usa brincos. Fotografia: Tony Gabriel.

Brenn quando não está artista é alguém que precisa de silêncio e de olhar apenas para dentro. Um “mar em maré baixa”, como ela mesma descreve. Alguém que reflete sobre si, sobre atitudes, consequências, palavras e o mundo. Brenn quando está sendo apenas Brenn é alguém que caminha pelo seu próprio labirinto, divagando pelos seus becos e vielas. 

Assim, somando esse oceano de marés altas e baixas, a artivista segue sendo. Sem complementações. Sem adjunto adverbial. Apenas sendo. E, dessa forma, o que ela quiser, o que ela alcançar, o que ela sentir. 

“Ser”, para Brenn Souza, é um grande ato de afirmação de identidade e ocupação do lugar dentro da sociedade; é desnudar-se de todo e qualquer paradigma e estigma social; é ser consistente e confiante com o que acredita; é pensar numa completa trajetória de vivências e experiências vividas, afirmando ser quem és hoje. “Ser” é irradiar vontade de ser e estar viva.

Perguntei para a atriz o que significa para ela pensar uma playlist com esse tema, e ela respondeu: me fez pensar em toda trajetória percorrida. As músicas escolhidas perpassam cada momento da minha vida, seguidas desde uma reflexão sobre meu corpo até me perguntar mais uma vez, quem soul eu?. Estar fazendo essa playlist significa que estar vida, fazendo e produzindo arte me faz refletir sobre ser eu, sobre todos os eu’s que me atravessam. Sobre ser centro e não margem, sobre ser vitória e não derrota.

Aproveitem, curtam, ouçam, se permitam atravessar…

PLAYLIST “SER”

“A todes que leem, vivam a vida intensamente. Vivam seu dia como se fosse o último, aproveite cada momento, seja ele de dor ou alegria. Pois não existe algo mais importante que estarmos vivos”.
Brenn Souza, atriz.

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