De uma senhora-menina/jovem-mulher que, ao ser questionada sobre quem é, responde que é uma incerteza, só pode vir coisas interessantes. É o que acontece com Ana Luiza Marinho, uma artistas das palavras que no auge dos seus 18 anos aperfeiçoa o seu dom de escrever.
Ana Luiza Holanda Marinho nasceu em Russas-CE, mas mora em Mossoró-RN. Estudante e geminiana, Ana define-se como alguém que procura “se construir e desconstruir constantemente em busca de permanecer nessa metamorfose” (ambulante); que acorda diferente ao amanhecer, mas se torna ainda mais quando vai dormir. Ela diz que não sabe quem é, mas sabe que existe uma personalidade ali, no entanto, nunca suficiente para delineá-la por inteira.
O tesão pela escrita surgiu ainda na pré-adolescência, quando Ana precisou escrever um cordel para a Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa. O assunto era baseado no lugar onde ela morava. O resultado: ela foi classificada para a segunda fase. Com isso, Ana percebeu que adentrar nesse caminho, até então desconhecido (que é a literatura), poderia ser uma ótima viagem. Então, ela seguiu. Começou a fazer paródias, composições, até chegar na poesia, onde ela mais se encontrou.
O primeiro estalo relacionado à literatura aconteceu aos 12 anos. No entanto, foi bem depois quando ela mergulhou mesmo nesse universo. Hoje, já conta com 37 poemas na sua coleção. Suas angústias, seus relacionamentos, a efemeridade da vida, são alguns dos principais temas debruçados em seus trabalhos.
Perguntei para Ana quem ela é quando escreve… ela respondeu com um “essa é uma pergunta um pouco complicada. Às vezes eu me deparo com personalidades que não conheço tanto, às vezes eu entro em transe enquanto as palavras escorrem pelos meus dedos. Sei que é alguém em mim, mas não necessariamente é aquela pessoa que convivo todos os dias, daí ela absorve minhas angústias e sabe exatamente como desenhá-las”.
Ela continuou: “ Em outros momentos, eu consigo ser racional o suficiente para saber que quem está escrevendo é uma face mais conhecida, aquela que é mais pública. Então, acho que são várias de mim mesma”.
Profunda, não é? Por aí, a gente percebe o tanto que Ana tem a submergir com a literatura. Enquanto isso, vamos conhecer alguns de seus poemas. A seguir, vocês poderão conferir três deles.
Aproveitem! E boa viagem…
CARMIM
Ela sabe que pode ter quem quiser
Sabe que é só ela querer e quem
Tem todo o poder que todos querem
Se basta ao mesmo tempo, aparentemente
Acho que a segurança dela me assusta
Porque a insegura sou eu e a instabilidade é minha
Então, me coloco aos seus pés usando na face uma frieza que não possuo
Não sei o que pode vir disso
Que já se arrasta há tanto tempo
Não entendo o que está acontecendo desse mais recente
Mas eu me encontro tão disponível para as necessidades suas que me perco no que preciso
Muito além da minha capacidade mental de viver
Muito além da minha obrigação como ser humano
Mesmo com a ideia de você
A solidão foi uma opção que eu não escolhi
Não desejei nem a busquei em momento algum
Muito menos o desconforto que a acompanha
Pensei, por um momento, em agir emocionalmente na inocência de achar que seriam mais sinceros os meus pensamentos
Que infantil
E dói como um corte fino
Como os feitos pelo papel
E arde quando molhado
Como quando choramos
Os rios de lágrimas salgadas
Sinto isso do lado esquerdo do meu peito
Fico sem respirar por um tempo
Minha cabeça arde em pensamentos que não quero ter
Meu peito sufoca com sentimentos que não quero sentir
Meu tórax cansou de suportar a inspiração frequente
E meus olhos doem, doem por segurar tanto pranto
Sem resolução
Dia após dia eu levo essa bagagem que não consigo desfazer em gavetas
E me afogo no mormaço da cama
Até querer que ela me englobe junto a ela
Mas acordo de novo
E tudo recomeça
O sol na minha janela gradeada.
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AZUL/ROTINA
O dinamismo dos carros
As buzinas das motos
Os livros empoeirados jogados pelo quarto.
Muita cor e letra,
Mas é escuro para mim
Olho e faço sem saber o que estou fazendo,
Digo “sim” sem saber o seu significado.
Meu riso nunca foi tão rápido.
Sinto que vou desaparecer
e ninguém vai reparar
porque
O dinamismo dos carros
A buzina das motos
Os livros empoeirados jogados pelo quarto
São quem são
e eu, de repente, sumi em mim mesma.
Sumi na fumaça dos carros
No som estridente das motos
Na poeira dos livros
No tempo
No acordar
No dormir
No levantar
Sumi e estou confusa se me quero de volta
Porque o dinamismo dos carros
A buzina das motos
Os livros empoeirados jogados pelo quarto
Vão estar lá quando eu retornar
No tempo
No acordar
No dormir
E no levantar
De todos os dias.
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eu tive medo do mar e da maresia
das inconstâncias das ondas e da dor do sal nos olhos
tive medo da noite conturbada
e da manhã calma também
tive medo do infiel e traiçoeiro oceano que de toda a sua extensão está apenas existindo
tive medo quando ele estava se exercendo e abrigando milhões de outros seres imersos nele
todos em suas teias e cadeias
Tive medo das estrelas que são exibidas pela face oposta do céu e de como o meu barco passava em cima dessa galáxia salgada.
em vez de admirá-la a cada remada, me imaginando tão mais próxima desses corpos celestes há milhões de anos luz de mim e que muitos nem existem mais, não o fiz
eu me traí,
infiel comigo mesmo
por não me permitir viver as luzes refletidas nelas advinda do sol noturno
não me fui companheira de jornada nas turbulentas passagens do atlântico ao índico
e me deixei solitária nas noites frias que acompanham a gravidade da lua com o mar
fiquei admirada com a grandiosidade da vela e me esqueci do infinito azul que estava posto a mim todos os dias
me incomodei com os pingos da chuva e respingos das marés na minha roupa
fui morna, meio molhada
num aguaceiro tão líquido disponível
não mergulhei muito
e quando me joguei afundei, afoguei e desisti
me importei com a beleza do meu barco enquanto o mar o corrói cotidianamente
esperando o próximo para o mesmo destino
tudo substituível
nada imbatível quando está frente a ele
e a diferença dos marinheiros que vêm e vão nesse mar de incertezas é que aqueles que chegam ao porto nem sempre se jogaram ao mar de fato
e o que fizeram durante a travessia não se lembram,
não se sabe, não se vive
então, ele te leva mesmo assim
sem memórias, sem alegria
desidratado enquanto desatento
e assim se foi mais uma onda quebrando na praia
anoitecendo novamente.
2 responder à “A literatura da menina-mulher Ana Luiza Marinho”
Me fez uma viagem mental incrível!
Muito talento
Gostei muito da poesia dessa menina se e que posso chama- lá assim. pela pouca idade . Há uma maturidade que lhe confere todo esse roteiro inequívoco de questionamentos e certezas. Gostei muito, continue escrevendo ppis as palavras lhe seduzem lindamente.